*Alessandro Ayres
Quando analiso o mercado brasileiro de provedores de internet, observo um cenário singular. Poucos setores reúnem um nível tão elevado de regulação, variáveis fiscais e exigências operacionais. São fatores que, isolados, já exigiram grande capacidade de adaptação. Reunidos em um único ambiente de negócios, tornam a gestão desses provedores uma atividade de alta complexidade.
Atuo há mais de duas décadas em controladoria e governança financeira, e ao longo desse período me aproximei com frequência crescente do segmento de telecomunicações. O avanço dos pequenos e médios provedores, a expansão acelerada da banda larga e o peso das obrigações regulatórias formam um conjunto que define o cotidiano dessas empresas. Nos últimos anos, a introdução de novas estruturas fiscais, como a NFCom, reforçou ainda mais a necessidade de processos sólidos. Agora, a reforma tributária adiciona um elemento de impacto estrutural.
O setor já convive historicamente com uma combinação de tributos que inclui ICMS, FUST, FUNTTEL, PIS, COFINS e, em muitos casos, ISS. Essa multiplicidade cria uma rotina operacional que depende de segregações precisas entre SCM e SVA, revisão constante de CFOPs e adaptação aos modelos estaduais e municipais. Em um ambiente assim, mudanças tributárias não são absorvidas de forma automática; elas afetam diretamente a formação de preço, a modelagem de produtos e a estabilidade financeira das operações.
A reforma tributária, ao propor a unificação de tributos e a reorganização do modelo de consumo, provoca uma reconfiguração importante para o setor. A substituição de impostos atuais pelo IVA dual e a criação de novas bases de cálculo exigem que cada empresa revise profundamente sua estrutura. Não se trata apenas de calcular um novo imposto, mas de repensar como cada serviço é classificado, como será enquadrado e como se relacionam com o regime nacional proposto.
Ao acompanhar o movimento de provedores diante desse cenário, percebo que a grande preocupação não está somente nas alíquotas, mas na transição. Empresas que já enfrentam desafios para estruturar controles internos, garantir conformidade e manter o faturamento adaptado às exigências do setor agora precisam conciliar a operação diária com redesenhos estratégicos. O impacto vai desde a precificação até a forma como os contratos são elaborados.
Também observo que a reforma traz uma oportunidade para reorganizar processos. O setor, pela sua natureza regulada, já opera com alto grau de fiscalização e documentação. A integração entre contabilidade, fiscal e operação técnica se torna ainda mais necessária. Sistemas, governança e padrões de informação passam a ser elementos centrais não só para atender à legislação, mas para sustentar um crescimento saudável em um momento de transformação nacional.
Mesmo trabalhando hoje com operações internacionais, vejo no mercado brasileiro de telecom uma particularidade que chama atenção de executivos de outros países. Comparado ao ambiente regulatório de mercados como o norte-americano, o Brasil apresenta uma complexidade que exige maturidade técnica para ser administrada. Nos Estados Unidos, ainda que existam diferenças entre estados, a previsibilidade tributária é maior e as regras mudam com menor frequência. Essa comparação evidencia a relevância de desenvolver estruturas de governança robustas aqui.
A transição para o novo sistema tributário nacional não ocorre em um setor estável, mas em um segmento que já enfrenta desafios diários de conformidade. Por essa razão, qualquer mudança exige preparo antecipado, planejamento integrado e visão de médio prazo. Tenho observado que empresas que compreendem essa lógica conseguem atravessar períodos de mudança com menos impacto. Já aquelas que tratam a reforma apenas como uma alteração legal tendem a enfrentar dificuldades maiores no momento da implementação.
Acredito que os próximos anos serão decisivos para o mercado de provedores. A combinação entre exigências regulatórias, fiscalizações mais detalhadas, aperfeiçoamento tecnológico e a reforma tributária formará um novo padrão operacional. A maturidade das empresas em lidar com essas transformações será determinante para sua permanência no mercado.

