Embora a legislação tributária brasileira não faça distinção explícita entre gêneros, diversos fatores contribuem para uma tributação desigual na prática, prejudicando as mulheres. A Constituição Federal de 1988, inclusive após a Emenda 132/2023 (Reforma Tributária), proíbe o tratamento desigual entre contribuintes em situação equivalente, vedando também qualquer distinção com base na ocupação profissional ou função exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos,  reforçando assim o princípio da isonomia, no qual todos são iguais perante a Lei. Todavia, diversos fatores contribuem para uma tributação desigual que prejudica as mulheres de forma desproporcional.

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), as mulheres brasileiras, de forma geral, ainda enfrentam uma disparidade salarial significativa em relação aos homens. Em média, as mulheres ganham 20,5% a menos que os homens (PNAD, 2019).

De acordo com o estudo de Muniz e Veneroso (2019), a desigualdade salarial de gênero reflete uma persistente desigualdade no mercado de trabalho. Além da “penalidade materna” identificada no estudo, existem outros fatores que contribuem para o hiato salarial entre homens e mulheres, como a discriminação de gênero, a segregação ocupacional e as dificuldades de ascensão na carreira.

Teorias e evidências anteriores corroboram a existência de desafios enfrentados pelas mulheres em relação à taxa de atividade, rendimentos e promoção, os quais são inferiores aos dos homens. Essas diferenças podem ser atribuídas a fatores como produtividade, ocupações e discriminação de gênero. Estudos indicam que as mulheres tendem a ocupar setores e profissões com salários mais baixos, enfrentando obstáculos para avançar em suas carreiras e alcançar posições de destaque. Outrossim, a discriminação de gênero, seja explícita ou implícita, contribui para a desigualdade salarial ao restringir oportunidades e remuneração. Esses fatores combinados resultam na maior parte da desvantagem feminina em termos de renda. Portanto, é necessário um conjunto abrangente de medidas e políticas para abordar essas questões sistêmicas e promover a igualdade de gênero no mercado de trabalho.

A tributação desigual das mulheres no Brasil é agravada pela tributação de produtos de higiene pessoal, como apontado por Lucca e Oliveira (2022). Itens básicos de higiene feminina, como absorventes, são classificados como produtos supérfluos e estão sujeitos a alíquotas de ICMS elevadas, enquanto produtos similares destinados aos homens possuem uma tributação menor. Essa disparidade na tributação é conhecida como “Pink Tax”, termo cunhado por Lucca e Oliveira (2022) para descrever o sobrepreço dos produtos destinados às mulheres. A pesquisa realizada por eles teve como objetivo testar a hipótese de que os produtos voltados para as mulheres são mais caros do que os produtos destinados aos homens, analisando preços por meio do comércio online e pesquisa em lojas. Essa prática da “Pink Tax” reforça a desigualdade de gênero e sobrecarrega financeiramente as mulheres, que são obrigadas a pagar mais por produtos essenciais de higiene pessoal.

A desigualdade na divisão do trabalho doméstico é um fator que contribui para a tributação desigual das mulheres, pois elas dedicam mais tempo ao cuidado de familiares e às tarefas domésticas, o que limita suas oportunidades de trabalho e renda, colocando-as em desvantagem no mercado de trabalho e perpetuando a desigualdade salarial e a carga tributária desproporcional.

A taxa de participação das mulheres no mercado de trabalho reflete essa dificuldade de inserção. Segundo dados do IBGE de 2021, a taxa média de participação das mulheres foi de 54,5%, enquanto a dos homens foi de 73,7%. Esse cenário está relacionado ao fato de as mulheres dedicarem mais tempo aos cuidados dos filhos menores. Mulheres com filhos de até 3 anos representam 54,6% das mulheres inseridas no mercado de trabalho, enquanto aquelas sem filhos representam 67,2% (Marano, 2023).

A baixa representatividade feminina nas esferas de poder político também contribui para a tributação desigual. A falta de representação feminina dificulta a aprovação de leis e políticas públicas que visam combater a desigualdade de gênero e a tributação regressiva. A regressividade tributária é um efeito do sistema tributário nacional que tributa com maior amplitude pessoas com menor rendimento,afetando principalmente as mulheres que, em média, possuem salários mais baixos que os homens.

A tributação desigual no Brasil, que impõe às mulheres uma carga tributária mais pesada simplesmente por serem mulheres, é uma realidade inaceitável. Apesar de existir um sistema constitucional que formalmente garante a igualdade para todos os cidadãos, é imprescindível adotar políticas deliberadas para promover a inclusão e a igualdade, a fim de superar essa situação. É de extrema importância ampliar a representatividade feminina nas esferas políticas, a fim de impulsionar a implementação de leis e políticas públicas efetivas. Somente através do engajamento de toda a sociedade e da conscientização acerca dessa desigualdade, poderemos construir um sistema tributário no qual as mulheres sejam tratadas de maneira justa, sem serem sobrecarregadas com uma carga tributária desproporcional. É imperativo que o Brasil avance em direção a um futuro onde a igualdade de gênero seja uma realidade concreta em todos os aspectos da vida, inclusive no âmbito do sistema tributário.

Fontes:

  1. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em média, mulheres dedicam 10,4 horas por semana a mais que os homens aos afazeres domésticos ou ao cuidado de pessoas. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/27877-em-media-mulheres-dedicam-10-4-horas-por-semana-a-mais-que-os-homens-aos-afazeres-domesticos-ou-ao-cuidado-de-pessoas.
  2. Muniz, J., & Veneroso, C. (2019). Diferenciais de Participação Laboral e Rendimento por Gênero e Classes de Renda: uma Investigação sobre o Ônus da Maternidade no Brasil. Disponível em: https://doi.org/10.1590/001152582019169.
  3. Lucca, L., & Oliveira, M. (2022). Pink Tax no Brasil: investigações preliminares. Revista VirtuaJus, 6(11), 236-246. Disponível em: https://periodicos.pucminas.br/index.php/virtuajus/article/view/28010. Conteúdo completo em https://doi.org/10.5752/P.1678-3425.2021v6n11p236-246 .
  4. Pesquisa IBGE de 2021. Estatísticas de Gênero: ocupação das mulheres é menor em lares com crianças de até três anos. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/30172-estatisticas-de-genero-ocupacao-das-mulheres-e-menor-em-lares-com-criancas-de-ate-tres-anos
  5. Marano, N. S. (2023). TRIBUTAÇÃO E DESIGUALDADE SOCIAL: UMA ANÁLISE DA INFLUÊNCIA DO SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL SOBRE A DESIGUALDADE INTERSECCIONAL DE GÊNERO E RAÇA. Revista de Direito Tributário e Financeiro. Disponível em: https://www.indexlaw.org/index.php/direitotributario/article/view/10136.
  6. Alvarenga, D. (2022, 8 de março). Mulheres ganham em média 20,5% menos que homens no Brasil. G1. Disponível em: https://g1.globo.com/dia-das-mulheres/noticia/2022/03/08/mulheres-ganham-em-media-205percent-menos-que-homens-no-brasil.ghtml.
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