A canção “Lamento do Arremate” de Renato Enoch surge como um testemunho emotivo de seu processo pessoal de enfrentamento e superação.

Nesta entrevista exclusiva para a Revista Hover, o cantor e compositor mineiro compartilha como sua jornada emocional inspirou não apenas a composição, mas também a  produção musical e o conceito visual do videoclipe, lançado na última semana. Confira!

Revista Hover: “Lamento do Arremate” foi composta em 2022 durante um período de inquietação pessoal. Como esse estado emocional influenciou a letra e a melodia da canção, e de que maneira você acredita que a música pode ajudar outras pessoas a lidarem com seus próprios sentimentos de perda?

Renato Enoch: “Lamento do Arremate” é sobre a necessidade de escrever para “guardar” aquilo que “transborda”, ou a ideia de que precisamos colocar algumas coisas para fora e existem várias formas de fazer isso. Acredito que a arte sempre tem um pouco disso. Eu gosto de escrever e cantar, mas acredito que consumir arte, de forma geral, ajuda nas nossas questões mais subjetivas. A letra traz também a ideia de que escrever “uma canção de amor” tarde demais faz com que ela se torne um lamento. Ao mesmo tempo, lamentos pode servir como catalisador para “arrematar” as pontas soltas e fechar ciclos. Foi assim pra mim. Escrevi essa letra num período de muitas mudanças, e é uma faixa que nasceu como desabafo, numa tentativa de superar alguns sentimentos difíceis. Teve muito a ver com processar o fim de um relacionamento e foi a minha forma de seguir em frente, mas sinto que é uma letra capaz de simbolizar o processo de luto que existe depois das perdas, sejam elas ligadas a um relacionamento amoroso ou qualquer outro significativo. Depois do luto, vem a aceitação, que tem a ver com aprender a lidar com as coisas de uma outra forma.

RH: A produção da faixa incorpora beats, teclados, sons sintetizados e baixo, criando várias camadas musicais. Pode nos falar sobre o processo criativo por trás dessa escolha de instrumentos?

Renato Enoch: Fiz a produção musical em parceria com o Fillipe Glauss, e durante o nosso processo de criação me veio a vontade de subverter um pouco a tristeza inicial da letra, já que a ideia era que esse “lamento” serviria também para arrematar as pontas soltas e seguir em frente. Queria fazer com que esse “lamento” fosse realmente um arremate, uma forma de encerrar um ciclo de sentimentos difíceis. Daí veio a ideia de trazer mais movimento para música e fazê-la “transbordar”, assim como diz a letra. Fiz uma base com camadas diferentes de teclados, experimentamos bastante com o beat e o Fillipe fez arranjos incríveis com o baixo e com a guitarra, trazendo também outros sons sintetizados. No final, chegamos em um resultado com várias camadas de sons, em um arranjo crescente e com bastante movimento.

RH: Sabemos que o videoclipe de “Lamento do Arremate” inclui um “easter egg” do poema “Guardar” de Antonio Cícero. Como surgiu a ideia de integrar esse poema ao videoclipe e qual é a importância dessa referência literária para a mensagem da música?

Renato Enoch: O nosso norte para pensar o universo visual da música foi a própria letra, primeiramente. É uma letra bastante metalinguística, pois se trata de uma canção que fala sobre escrever canções. Ela reflete sobre a necessidade de escrever para “guardar” aquilo que “transborda”, mas a canção só é escrita depois do fim, se tornando então um lamento. Trata dos finais de forma geral. Quando há perdas, passamos por um processo de luto e tentamos dar sentido para as coisas, desembolar nós e arrematar algumas pontas soltas. É sobre esse processo de viver o luto e superá-lo que se trata o roteiro. Durante o processo de criação visual, me deparei com o poema “Guardar”, que também é metalinguístico pois fala sobre o próprio ato de escrever poemas, simboliza lindamente a ideia de que guardar algo não é esconder aquilo em um “cofre” ou armário fechado, mas sim iluminar e olhar para isso.

Assista ao videoclipe: https://www.youtube.com/watch?v=j1LU_NbMJ7U 

A concepção visual deste clipe aconteceu em janeiro deste ano e estamos felizes de finalmente poder colocá-lo no mundo. Durante esse processo inicial, eu e Luísa Galvão (que fez a direção criativa junto comigo) decidimos criar uma atmosfera onírica, com imagens que simbolizam fases do luto, e é como se tudo acontecesse dentro da mente. Tentamos traduzir também, de forma poética, o significado de “guardar” algo. Uma ideia muito presente na narrativa é a necessidade de encarar o passado para poder elaborá-lo e guardá-lo devidamente. Como diz Antonio Cícero, “guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la. Em cofre não se guarda coisa alguma”. Para simbolizar isso, criamos o “Armário dos Lamentos”, que se tornou um personagem importante na história. Partindo da ideia do “arremate”, definimos que as Linhas de lã seriam o nosso principal elemento visual e elas simbolizam várias coisas ao longo do clipe. No fim de qualquer luto é preciso encarar os sentimentos difíceis e aceitar quais são as coisas que ficam “costuradas” ou guardadas em nós e quais são as que precisam ir embora.   

RH: Seu novo projeto inclui uma mini turnê nacional. Como você se prepara para os shows ao vivo e quais são os principais desafios e prazeres de se apresentar em diferentes cidades pelo Brasil?

Renato Enoch: Nesta nova fase, vamos passar por algumas cidades depois de lançar o novo single, trazendo um novo show com formato menor. Neste primeiro momento, seremos apenas eu e Fillipe Glauss no palco, o que reflete como concebemos as canções novas e também a maior parte das antigas. O Fillipe é músico e produtor musical, é meu parceiro já há alguns anos e fazemos a produção das faixas juntos. O repertório dessa primeira fase de shows terá novidades do meu trabalho autoral, além de vários “lamentos” da música brasileira, passando por canções de Milton Nascimento, Cazuza, Tim Maia e por outras releituras que gravei ao longo dos anos. Enquanto um artista independente, é bem desafiador idealizar e realizar turnês, mesmo pequenas, mas é um prazer enorme ver que será possível passar por alguns lugares e me conectar com pessoas que gostam da música que eu faço, e possivelmente apresentar esse trabalho para outros. Estar no palco é muitas vezes desafiador, mas também pode ser algo catártico e com muitas energias boas.

Com uma mini turnê nacional que iniciou na última sexta-feira (28) no Rio de Janeiro, Renato Enoch se prepara para levar sua música e sua mensagem a diferentes públicos pelo Brasil. Este novo capítulo não apenas promete novas composições autorais, mas também celebra influências da música brasileira através de releituras especiais. Para o mineiro, cada palco representa não apenas um desafio, mas também a oportunidade de compartilhar seu trabalho de maneira íntima e autêntica com seus ouvintes.

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