Comprometimento na linguagem verbal é um dos primeiros sinais observados por pais e profissionais, exigindo estratégias de comunicação aumentativa e alternativa
Cerca de 25% a 30% das crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) não desenvolvem uma fala funcional nos primeiros anos de vida ou se mantêm minimamente verbais, segundo uma pesquisa realizada na Itália (Visconti e Posar, 2022). Para a fonoaudióloga e analista do comportamento Letícia Sena, fundadora do Instituto Índigo e da Universidade UniÍndigo, o dado reforça a importância de oferecer, desde cedo, recursos de comunicação aumentativa e alternativa a fala e promover a inclusão. Ela também destaca a necessidade de ampliar o entendimento sobre comunicação, que vai muito além da fala e inclui expressões, gestos, imagens e comportamentos, integrando o que se chama de comunicação funcional.
A dificuldade na comunicação verbal costuma ser um dos primeiros sinais que despertam a atenção dos pais de crianças autistas, pela busca por tratamentos e terapias. Essas dificuldades de comunicação vocal podem perseverar de forma que prejudique a autonomia, mesmo que a criança esteja em terapias apropriadas para ela, principalmente em níveis 2 e 3 de suporte no autismo e em casos em que o autismo tem muitas coocorrências associadas como deficiência intelectual e TDAH, ou ainda, em que o autismo é uma comorbidade de uma outra condição já presente, como uma síndrome genética. Segundo Letícia, esse comprometimento na comunicação varia em intensidade e forma. “Apesar dos desafios, a maioria desenvolve algum nível de linguagem verbal ainda na fase pré-escolar, embora alguns casos avancem mais tardiamente.
Mesmo quando a fala está presente, ela tende a se manifestar de forma parcialmente funcional, ou seja, a fala não poderá ser o único meio de comunicação utilizado para comunicar em todos os contextos de comunicação, por conta de alterações motoras da fala, globais e de planejamento motor que vão impactar diretamente na habilidade de produzir sons, coarticular (juntar) sons vocais, conseguir fazer a entonação adequada, coordenar a respiração durante a fala, etc e consequentemente, isso também vai afetar o uso social e funcional da linguagem, por conta da redução de oportunidades de comunicação, na falta de um meio de comunicação, já que a fala não está presente ou está parcialmente presente, sem falar nas dificuldades na aquisição de linguagem que são propriamente geradas pelo quadro clínico do autismo, como inflexibilidade para aprender e correlacionar significados, explica.
Outro exemplo está na comunicação de adolescentes e adultos autistas, especialmente aqueles que não se expressam pela fala. “A partir dos seis anos, tendemos a ensinar nas escolas a linguagem escrita, mas, na prática, recebemos pessoas com dificuldades reais de se comunicar no dia a dia, que não estão ainda preparadas para aprender o comportamento de escrita, já tendo uma idade mais avançada. Podem aparecer, nesses casos, comportamentos desafiadores importantes que atrapalham, inclusive, a autonomia, a independência e o funcionamento desta pessoa, e na maioria desses casos, é a comunicação o ponto-chave, pois, na falta de comunicação para se expressar em contextos como reclamar, recusar ou até mesmo xingar, essa criança, esse adolescente ou adulto, acaba engajando em comportamentos mais primitivos e desafiadores, na tentativa de ser entendido e respeitado. Certas ações são a forma que a pessoa encontrou para dizer que está com medo, que não quer fazer algo ou que precisa de ajuda”, explica.
Outro ponto interessante sobre a linguagem escrita é que muitas pessoas pensam que pessoas que não falam, não podem ler e escrever e isso não faz o menor sentido, por a fala, a leitura e a escrita são processadas em regiões diferentes do cérebro. Logo, conseguir falar não tem nada a ver com medidas de inteligência, pois é totalmente entender, ler, escrever, ter opinião, embora não se use a fala como uma forma de comunicação, como muitos autistas adultos demonstram na internet em suas redes sociais.
Nesse contexto, Letícia destaca que a comunicação funcional não se resume a falar bem ou escrever corretamente, mas a conseguir expressar necessidades, desejos, emoções e opiniões de maneira eficaz no ambiente em que vive. “Não podemos esperar que a fala venha para só então começar a intervir. A comunicação tem que ser disponibilizada e acessível desde já, com recursos disponíveis, porque a partir do momento em que se comunica, você existe e pode ser respeitado e ser. Além disso, formas aumentativas e alternativas de comunicação são um importante apoio para a fala acontecer, por aumentar a validação, a motivação e o interesse em comunicar e tornar a comunicação mais concreta, logo, essa pessoa que não fala porque não consegue, porque é um desafio motor e/ou de processamento de linguagem, gigante para ela, vai começar a tentar se dedicar mais a tentar falar”, afirma.
Além disso, ela aponta a importância de desconstruir ideias do senso comum que ainda atrapalham o acesso a terapias adequadas. “Muita gente ainda acha que só precisa de fono quem troca letras ou quem vai desenvolver fala. Isso é um mito. Se a pessoa tem dificuldade de se comunicar, seja qual for a dificuldade, ela tem indicação de fonoterapia”, reforça.
Por isso, segundo Letícia, o trabalho do fonoaudiólogo deve estar alinhado à realidade da pessoa atendida, respeitando seu tempo, suas escolhas e seu contexto de vida. “A pessoa não pode ser forçada a se encaixar em um modelo de comunicação. É preciso adaptar os recursos àquilo que faz sentido para a pessoa e para sua rotina. E isso vale para todas as idades. Por isso é tão importante a atualização profissional e a supervisão de fonoaudiólogos e orientações e treinos parentais, para que tornem individualizadas as pranchas de comunicação”, conclui.
Sobre Letícia Sena
Fonoaudióloga e doutoranda pela Universidade Federal de São Paulo, Letícia é analista do Comportamento Aplicada ao Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) e desenvolvimento atípico, com formação pelo Instituto Par – Centro de Ciências e Tecnologia do Comportamento, é especializada em Comunicação Aumentativa e Alternativa e especialista em Terapia da Aceitação e do Compromisso pelo Centro Brasileiro de Ciência Comportamental e Contextual. Letícia, é certificada nos métodos Prompt, PECS, PODD, CoreWords e contribui com publicações, inclusive internacionais, sobre autismo e empreendedorismo feminino.
Letícia é fundadora da Clínica Instituto Índigo e da Universidade UniÍndigo e realiza a gestão, supervisões e orientações parentais, incluindo o acompanhamento de casos e clínicas em diferentes estados do Brasil e fora do Brasil, é palestrante e escritora.
Instagram: @fga_leticiasena
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LinkedIn: Letícia Sena
Sobre o Instituto Índigo e a UniÍndigo
Clínica multidisciplinar referência no atendimento a crianças e adolescentes autistas, síndromes genéticas raras, transtornos de aprendizagem, da fala, alimentação e atrasos no desenvolvimento. Atua com fonoaudiologia, psicologia, terapia ABA, terapia ocupacional, fisioterapia, psicomotricidade, psicopedagogia, neuropsicologia e educação física. Os tratamentos são personalizados, com supervisão estruturada, registros diários, orientação parental e treinamento escolar, com atendimento presencial em consultório, em domicílio e consultorias a distância.
O Instituto Índigo também conta com a UniÍndigo, universidade voltada à formação de terapeutas na área, professores e pais e investe em inovação, como o desenvolvimento de um agente de inteligência artificial próprio e de um sistema de gestão escalável.