*Por Alessandro de Freitas Ferreira

Durante anos, acompanhamos empresas tratando a digitalização como um projeto de tecnologia. Mas, na prática, o verdadeiro ponto de inflexão não está no software, e sim nas pessoas. A transformação digital é, antes de tudo, um processo de mudança cultural.

A corrida pela sobrevivência

O ambiente corporativo tornou-se volátil, competitivo e guiado por dados. Nesse cenário, digitalizar deixou de ser uma tendência para se tornar uma exigência de sobrevivência. Automatizar processos, reduzir custos, aumentar a rastreabilidade e oferecer respostas mais rápidas ao mercado são hoje condições mínimas para se manter relevante.

Entretanto, a experiência mostra que tecnologia, por si só, não garante resultados. Muitas empresas implementam sistemas de ponta, mas não conseguem extrair deles o valor esperado. O motivo? Falta de alinhamento entre transformação tecnológica e transformação humana.

A tecnologia é o meio e não o fim

Ferramentas como ERP, inteligência artificial, computação em nuvem e plataformas de automação trouxeram ganhos inegáveis de produtividade. Elas conectam áreas, eliminam retrabalhos e ampliam a transparência dos processos. Mas esses benefícios só se materializam quando a cultura organizacional está preparada para usá-los de forma inteligente.

Vejo com frequência projetos de transformação digital fracassarem não pela limitação da tecnologia, mas pela ausência de engajamento interno. É comum observar funcionários inseguros, temendo perder espaço, líderes que não comunicam claramente os objetivos da mudança e clientes resistentes à substituição de canais tradicionais.

O resultado é previsível: resistência, distorções e desperdício de investimento.

Pessoas: a barreira e a chave do sucesso

A digitalização exige aprendizado contínuo, experimentação e capacidade de adaptação. Isso significa que a mesma força de trabalho que hoje resiste à mudança é, paradoxalmente, a mais preparada para liderá-la. São esses colaboradores que conhecem os processos em profundidade, entendem as dores da operação e sabem o que realmente agrega valor ao cliente.

Sem essa participação ativa, qualquer projeto de transformação corre o risco de se tornar apenas mais uma implementação tecnológica cara e subutilizada. A digitalização só acontece com as pessoas, nunca apesar delas.

Cultura antes de software

Para que a transformação digital seja sustentável, é preciso começar pela cultura. Ela é o elo entre a tecnologia e a inteligência humana — e sem ela, a inovação não se consolida.

Alguns princípios que considero essenciais nesse processo:

  • Capacitação contínua: treinamento e atualização permanentes são a base da evolução digital.

  • Valorização da experiência: envolver, desde o início, os profissionais que conhecem os processos em detalhe.

  • Inovação reconhecida: premiar e dar visibilidade a quem propõe soluções criativas.

  • Escuta ativa: compreender os medos e sugestões das equipes, transformando resistência em aprendizado.

  • Liderança inspiradora: líderes devem comunicar com clareza, dar o exemplo e cultivar confiança.

No relacionamento com clientes, o mesmo princípio se aplica. A transição para o digital deve ser empática, com suporte e alternativas acessíveis. A tecnologia deve simplificar a experiência do usuário e nunca afastá-lo.

O futuro pertence a quem integra pessoas e tecnologia

Digitalizar não é apenas adotar sistemas modernos, mas combinar ferramentas poderosas com o conhecimento humano que sustenta o negócio. A tecnologia fornece o motor, as pessoas, o direcionamento.

As empresas que compreendem essa relação constroem culturas de aprendizado contínuo, colaborativas e adaptáveis. Tornam-se mais resilientes a crises, mais eficientes na operação e mais inovadoras na estratégia.

A verdadeira transformação digital começa com tecnologia, mas só se consolida com cultura. Cultura não se implanta, se constrói, diariamente, com propósito, liderança e pessoas.

O futuro das organizações digitais será escrito por quem entende que a força não está nos sistemas, mas nas pessoas que sabem como fazê-los funcionar.

 

Sobre o autor
Alessandro de Freitas Ferreira é Chief Financial Officer (CFO) da Sorocaba Refrescos, empresa do sistema Coca-Cola. É especialista em Finanças Corporativas, Contabilidade, Fusões e Aquisições e Transformação Digital, com formações pelo MIT, USP, Fundação Dom Cabral, Insper e Mackenzie. Liderou projetos de implantação de aplicativos (APP), ERP SAP, sistemas de custeio com a metodologia CTS (Cost to Serve), entre outros, sendo reconhecido por integrar inovação, cultura organizacional e eficiência na construção de estratégias de rentabilidade sustentável.

Share.