*Daniel Martinelli Lourenzi
Escrever sobre ingredientes funcionais e personalizados é refletir sobre um movimento que tenho acompanhado de perto ao longo de mais de duas décadas na indústria de alimentos, bebidas e suplementos. Durante esse período, testemunhei uma mudança gradual, porém profunda, no modo como pensamos formulações, benefícios nutricionais e aplicações industriais. Hoje, essa transformação deixa de ser tendência para se tornar um eixo estruturante do setor.
Quando observo o cenário atual, percebo que os ingredientes voltados à saúde não apenas ganharam espaço, mas redefiniram a lógica de desenvolvimento de produtos. Fibras funcionais, prebióticos, proteínas alternativas, compostos bioativos e soluções naturais passaram a ocupar posição central em projetos que buscam atender demandas como imunidade, performance, metabolismo, microbiota intestinal e equilíbrio mental. Esse avanço se sustenta em dois pilares fundamentais: a evolução científica e a maturidade do consumidor.
Pesquisas internacionais reforçam essa direção. Relatórios recentes apontam que o interesse global por produtos relacionados à microbiota cresceu de forma acelerada, enquanto estudos ligados ao impacto da alimentação no bem-estar mental registraram taxas de expansão superiores a 40 por cento nos últimos anos. Quando cruzo esses dados com o que encontro no dia a dia das empresas, vejo um alinhamento claro entre ciência, comportamento e decisões produtivas.
A personalização desempenha papel decisivo nesse processo. A expansão de ferramentas de monitoramento de saúde, análises biológicas individualizadas e plataformas de nutrição sob medida alterou a forma como consumidores avaliam o que consomem. Essa mudança exige que o desenvolvimento de ingredientes seja cada vez mais modular, rastreável e conectado a evidências. Na prática, isso significa que um mesmo ingrediente precisa atender necessidades distintas sem perder estabilidade, segurança ou viabilidade industrial.
Ao longo da minha trajetória, pude acompanhar como essas exigências impactam formulações e processos. Cada novo ingrediente precisa demonstrar funcionalidade real, comportamento físico-químico previsível e compatibilidade com sistemas industriais complexos. Essa realidade torna a pesquisa aplicada uma etapa central da inovação. É nela que observamos como um composto se comporta em diferentes matrizes, qual sua biodisponibilidade e de que maneira contribui para benefícios metabólicos específicos. Essa etapa, muitas vezes invisível ao consumidor, é determinante para que um conceito se transforme em produto escalável.
Outro ponto que observo é a necessidade de integrar funcionalidade e experiência sensorial. A indústria avança no desenvolvimento de proteínas alternativas com melhor perfil de sabor, fibras com baixa interferência em textura e compostos bioativos capazes de manter estabilidade ao longo da vida de prateleira. Esse equilíbrio entre benefício e sensorial é um dos aspectos que mais têm evoluído nos últimos anos e, na minha avaliação, continuará guiando parte significativa das inovações futuras.

A sustentabilidade também se tornou um componente central. Cadeias produtivas rastreáveis, tecnologias de extração limpa e processos mais eficientes passaram a fazer parte da avaliação técnica de ingredientes. Essa mudança não ocorre apenas por demanda externa, mas por necessidade de competitividade e alinhamento com modelos regulatórios em evolução. Trabalhar com fornecedores de diferentes regiões do mundo me permitiu perceber como esse padrão se consolidou e segue influenciando as decisões estratégicas da indústria.
Quando penso no futuro, enxergo um caminho construído pela convergência entre ciência, personalização e funcionalidade. Não se trata de criar produtos com apelos isolados, mas de integrar evidências, tecnologia e viabilidade industrial em soluções que respondam a necessidades fisiológicas de forma cada vez mais precisa. Os ingredientes, nesse contexto, deixam de ser apenas componentes de formulação para assumir função estruturante na relação entre alimentação, prevenção em saúde e bem-estar.
Essa nova era não é resultado de um único avanço, mas da soma de muitos fatores: evolução científica, maior compreensão do papel da nutrição na saúde, acesso a dados individuais e maturidade tecnológica das cadeias produtivas. Ao acompanhar esse movimento de dentro da indústria, percebo que estamos diante de um momento que redefine não apenas categorias de produtos, mas a forma como pensamos o papel dos alimentos no cotidiano das pessoas.

